Disputas de espaços da atividade de mineração com outras de interesse público, qual deve prevalecer?
- Ana Paula Mota de Souza
- 9 de nov. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 30 de nov. de 2023

Este é um caso muito emblemático e frequentemente alvo de debates e dúvidas no contexto jurídico. Nesta análise, abordaremos os fundamentos jurídicos que orientam o uso de áreas mineralizadas, levando em consideração a possibilidade de conflitos de interesses públicos.
Para uma melhor compreensão, apresentamos exemplos dos principais conflitos territoriais envolvendo empreendimentos de interesse público:
Linhas de transmissão de energia;
Assentamentos de reforma agrária;
Unidades de conservação;
Terras indígenas;
Áreas quilombolas;
Áreas de interesse histórico e arqueológico;
Usinas hidrelétricas.
A título de exemplificação e análise mais aprofundada, abordaremos o conflito envolvendo linhas de transmissão de energia. De acordo com o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), agora, Agência Nacional de Mineração (ANM), em resposta a solicitações para esclarecimento sobre esses conflitos territoriais, o DNPM emitiu um parecer sobre o assunto, considerando a crescente demanda por bloqueios minerários em áreas próximas às linhas de transmissão de energia.
O DNPM, por meio de sua Procuradoria Geral Federal, pronunciou-se sobre essa situação no Parecer/PROGE nº 500/2008-FMM-LBTL-MP-SDM-JÁ. É evidente que tanto a exploração mineral quanto as linhas de transmissão de energia são atividades de interesse público, e não é possível determinar qual delas deve prevalecer em detrimento da outra.
Antes de mais nada, é essencial verificar a possibilidade de COMPATIBILIZAÇÃO das atividades concedidas no mesmo espaço. Caso não seja possível comprovar essa compatibilização de forma convincente, considera-se a existência de um conflito que deve ser abordado com base no entendimento apresentado neste parecer pelo DNPM.
Compreendendo que não há primazia constitucional entre essas duas atividades, ambas de interesse público, o DNPM optou por interpretar o dispositivo legal existente, o art. 42 do Código de Mineração, a fim de orientar a resolução dos conflitos existentes.
"Art. 42 A autorização será recusada, se a lavra for considerada prejudicial ao bem público ou comprometer interesses que superem a utilidade da exploração industrial, a juízo do Governo. Neste último caso, o pesquisador terá direito de receber do Governo a indenização das despesas feitas com os trabalhos de pesquisa, uma vez que haja sido aprovado o Relatório."
O parecer PROGE considerou dois requisitos para a tomada de decisão de um empreendimento em detrimento do outro, o que resultará no bloqueio administrativo em favor da atividade favorecida.
A incompatibilidade entre as atividades;
Superação da utilidade do aproveitamento mineral na área pelo interesse envolvido no projeto energético.
É importante destacar que a análise dos requisitos ocorre de forma sucessiva. Caso o primeiro não seja deferido, não cabe a análise do segundo, sendo indeferido o pedido de bloqueio do requerente.
O requisito 'incompatibilidade entre as atividades' não está expresso no dispositivo, mas foi sustentado devido às alegações de impossibilidade de coexistência das atividades, muitas vezes derivadas de inviabilidade técnica.
No entanto, é relevante ressaltar que se as atividades podem coexistir de maneira viável, o interesse público exige que ambas sejam mantidas, promovendo o desenvolvimento sustentável de ambos os setores.
Ressalta-se ainda que esse Parecer resolveu por bem acolher a tese de que o art. 42 se aplicaria também a outras fases do processo minerário e não somente ao da lavra.
Quanto ao requisito "superação da utilidade do aproveitamento mineral" que nesse caso seria por interesse envolvido no projeto energético, é extraído da literalidade deste art. 42.
Essa escolha será baseada em uma análise individual de cada situação, levando em consideração uma série de fatores, como as prioridades da política governamental, o impacto nas comunidades locais, a rigidez locacional das reservas minerais, a demanda pelo minério na região e outros elementos relevantes.
É importante destacar que o art. 42 não se aplica para lavra já concedida, pois é explícito quando dispõe que a autorização será recusada. Isso significa que, se vai ser recusada, quer dizer que ainda não foi concedida. Dessa forma, não se aplicando para a lavra já concedida. Qualquer decisão da administração diversa disso está agindo ilegalmente, uma vez que não há margem para interpretação da administração pública.
Como os tribunais têm decidido situações envolvendo esses conflitos energéticos???
Não cabe ao Poder Judiciário decidir qual atividade deve prevalecer, pois essa é uma prerrogativa do governo, mas cabe ao Poder Judiciário analisar a legalidade dos atos, caso seja provocado.
O que tem sido submetido ao Poder Judiciário para decisão é principalmente a questão das indenizações devidas devido ao bloqueio.
Conclui-se que a regra é compatibilizar os empreendimentos; somente no caso de não haver viabilidade é que a decisão deve ser tomada caso a caso, levando em consideração a incompatibilidade entre as atividades e a superação da utilidade do aproveitamento mineral pelo interesse no projeto energético.
Portanto, a decisão final depende da análise individual das circunstâncias de cada situação e dos fatores envolvidos, sendo uma prerrogativa do governo determinar qual atividade deve prevalecer em cada caso específico.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Decreto Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967. Dá nova redação ao Decreto-lei nº 1.985, de 29 de janeiro de 1940. (Código de Minas). Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 28 de fevereiro de 1967; 146º da Independência e 79º da República.
Parecer/PROGE nº 500/2008-FMM-LBTL-MP-SDM-JA. De <https://sei.anm.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?Dw5BgI2DFMbZfaN-2ZQIG-rqoRM5MS6qf0M_TyTV07-acMdVumDRiGWzDtDJdFJL7EoKKxfH7RxaQTxpKArF-VdyJuMERqHSSZlpLdLjfYeZ3OFBSkQ-dRz52qSlf2ze> Acesso em 05 de out. 2023.
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